Veja a alegria da Tititu Suruwahá brincando no chão de terra na aldeia! Lembra dela no Fantástico no ano passado? Pois é. Ela está gordinha, se desenvolvendo muito bem e adaptada, na aldeia com sua família.
A confusão que se criou no ano passado em torno desse caso foi muito grande. Tititu tem uma deficiência hormonal que causou uma anomalia na formação do órgão genital. Quando nasceu, sua mãe não sabia se era menino ou menina. Pela cultura da tribo, ela deveria ter sido morta logo ao nascer. De fato sua mãe, Kusiumã, a abandonou no mato para morrer de fome ou ser devorada por algum animal. Fez isso com grande dor, mas tinha medo de se opor a tradição da tribo. Vendo a dor de Kusiumã, uma das tias da criança foi ao mato e resgatou a menina. Kusiumã e o pai decidiram então lutar pela vida da criança… e pediram ajuda a missionários da Jocum, que prestam assistência na tribo há muitos anos. Esses missionarios apoiaram a família, conseguiram a autorização da Funai, e levaram a criança para São Paulo. Lá foram feitos os exames e foi marcada uma cirurgia corretora.
A polêmica estava armada. Houve denúncias de que os missionários estavam interferindo na cultura e que a viagem para São Paulo poderia ser prejudicial ao índios. Funai e Funasa disseram que não sabiam de nada e negaram ter dado autorização para a viagem. Grupos indigenistas acionaram o Ministério Público exigindo que a família voltasse para a aldeia imediatamente, mesmo sabendo que a criança seria morta se voltasse. Mesmo com toda essa oposição o pai de Tititu foi firme e disse que se tivesse que voltar sem a cirurgia, não só teria que sacrificar a filha mas se suicidaria em seguida. Um grande impasse burocrático se travou e o caso chegou até a imprensa. A saga da família suruwahá comoveu o país e finalmente os pais de Tititu conseguiram a autorização oficial para que a cirurgia fosse feita. A menina foi operada no HC e a cirurgia foi um sucesso. Voltou para a aldeia e se adaptou perfeitamente, sendo aceita e amada por todos os parentes.
O que essa história nos ensina? O que podemos aprender com a saga dessa família suruwaha? Fica comprovado mais uma vez que as culturas indígenas não são frágeis como muitos defendem. Elas são fortes, dinâmicas e passíveis de transformação, como qualquer outra cultura. Fica claro que os índios não são seres incapazes, facilmente manipuláveis. E também que não são eternamente presos a tradições ancestrais e incapazes de questionar seus próprios valores. São seres humanos como quaisquer outros e têm o direito de serem sujeitos de sua própria história.
A única decepção que a família de Tititu levou para a aldeia foi a descoberta de que muitos “brancos” os consideram incapazes de decidir sobre seus próprios assuntos. Que muita gente quer que eles continuem na mata, sem acesso aos avanços da medicina e sem acesso aos direitos básicos de todo cidadão brasileiro. Isso sim, foi um choque. As outras coisas que eles tiveram que enfrentar – como o frio de São Paulo, as infecções respiratórias, comidas diferentes, barulho de carros e engarrafamentos – tudo isso eles enfrentaram com tranquilidade e dignidade. O que eles realmente queriam era a cirurgia e o tratamento médico continuado da filha. Isso eles não podem fazer sozinhos. Para isso eles dependem do mundo dos “brancos” e estão dispostos a pagar o preço.
Hoje a preocupação da ATINI é com o tratamento médico de Tititu, que precisa ser mantido. Se ela deixar de tomar os hormônios pode morrer de desidratação súbita ou pode voltar a mostrar sinais de virilização. Se isso acontecer ela corre o risco de não sobreviver na tribo. Por isso precisamos continuar de olhos abertos e acompanhar esse tratamento. A FUNASA de Manaus garantiu que forneceria os medicamentos e providenciaria exames de sangue regulares na aldeia. Nós, da ATINI, estamos de olho.