O drama de duas indiazinhas Zuruahã
Nossos repórteres acompanham a aventura de duas índias recém-nascidas que foram abandonadas para morrer no meio da floresta. As duas bebês índias foram levadas da Amazônia para São Paulo por um grupo de missionários. Se ficassem na mata, os bebês teriam outro destino: a cultura da tribo determina que elas deveriam morrer porque nasceram doentes. Agora, para receber tratamento médico, elas precisam vencer uma nova batalha – contra a burocracia.
Sumawani tem apenas seis meses. Quase nada diante de uma vida inteira. Mas, no caso dela, ter chegado até aqui pode ser considerado um milagre.
A indiazinha é uma Zuruahã – tribo do Amazonas que vive praticamente isolada. Nasceu hermafrodita: o órgão genital dela tem características dos dois sexos. Os índios não aceitam quem nasce com deficiência física. Para eles, são crianças incapazes de sobreviver na floresta.
“Na hora que nasceu e ela a pegou, ela viu que era diferente. E viu que teria que matar”, traduz Márcia Suzuki, missionária da Jocum.
Em casos como o de Sumawani, não costuma haver perdão. Os índios cometem o infanticídio: matam os bebês recém-nascidos. A mãe, Kusiama, não fugiu à regra. A avó foi quem mudou de idéia e recolheu a criança.
Aí foi a vez de o pai tentar matar a menina. “Eu mesmo peguei a criança e falei que ia matar. Mas as pessoas da aldeia pediram para que eu a levasse aos médicos do branco, que eles talvez pudessem resolver o problema”, revela Naru, pai de Sumawani.
A situação da pequena Iganani, de um ano e meio, é mais dramática. Ela nasceu com paralisia cerebral e não move as pernas. Precisa de tratamento diário para conseguir algum progresso.
A mãe, Muwaji, abandonou a filha, e também neste caso, foi a avó quem salvou a menina. Então, o instinto materno falou mais alto: Muwaji mudou de idéia.
“Se eu levá-la para a casa dos Zuruahã e ela não andar, vou ter que dar veneno pra ela. O meu coração não está nem pensando em voltar para os Zuruahã por causa da minha filha. Eu ficaria muito tempo com os brancos para ela melhorar”, lembra a mãe de Iganani.
As duas famílias pediram ajuda a um grupo de missionários evangélicos que freqüenta a aldeia. Oito índios foram levados para um sítio perto de São Paulo, onde já estão há dois meses. Os exames de sangue do bebê hermafrodita comprovaram que é uma menina. O Hospital das Clínicas de São Paulo se dispôs a fazer de graça uma cirurgia de correção.
“Se adequadamente indicar a cirurgia, no momento oportuno, tratada e tomando remédio, será uma mulher perfeita. Deverá tomar remédio a vida inteira e está permanência é que é uma situação muito delicada, principalmente em se tratando de indígena, que deve voltar a sua comunidade, no meio do Amazonas”, explica o doutor Zan Mustacchi, pediatra e geneticista.
Mas uma denúncia no Ministério Público está impedindo a cirurgia. Missionários católicos, questionaram a retirada dos índios da aldeia, porque agora estariam expostos a doenças e ao choque cultural de uma cidade grande como São Paulo. Com isso, a Funai (Fundação Nacional do Índio) e a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) ainda não liberaram os documentos necessários para que o hospital possa operar a bebê índia.
“A Funasa é que cuida da saúde. Ela deveria estar acompanhando estes casos e se tivesse achado que merecia um transporte de fora da área para um hospital, ela mesmo é que deveria ter feito isso”, observa o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes.
“Se tem um problema da cirurgia que tem de ser feita, gastos de manutenção dos índios durante esse período, a Funasa se compromete a bancar tudo isso, mas sob a orientação, nesse caso, da Funai”, comenta o presidente da Funasa, Paulo Lustosa.
“Há uma falha da Funai de ver pessoas saindo sem ter conhecimento. Uma falha, enfim, do estado brasileiro, Funai e Funasa juntos, nós assumimos isso”, diz Mércio.
“Acima de pensar em mudança cultural, acho que é mais importante a vida dessa criança, mesmo que a vinda para São Paulo possa acarretar alguma mudança cultural para eles”, opina o missionário Edson Suzuki.
“Por todo esse conjunto de ações que essa missão fez, nós vamos exigir a retirada dela, nós vamos pedir à Funasa que encaminhe a médicos para avaliar a saúde desses índios”, adianta Mércio.
Sumawani driblou o destino de morte, no momento em que os pais desistiram de matá-la. Venceu, sem saber, uma grande batalha – talvez a mais difícil. Mas o bebê ainda não tem garantia de vida na aldeia. Sem a operação, desta vez, Sumawani poderá não escapar do sacrifício.
“Se o médico não operar, eu vou ter que dar veneno para ela, ela vai morrer. Eu também acabaria tomando veneno, eu ia me matar. Não temos medo de se matar”, declara Naru, pai de Sumawani.
“O que o Ministério Público federal gostaria de acrescentar é que não veio para São Paulo, de forma alguma para proibir a cirurgia dessa criança no âmbito do Hospital das Clínicas”, diz o procurador da República no Amazonas, André Lasmar.
Mas o Ministério Público só vai decidir o destino das duas indiazinhas depois que ouvir a opinião de uma equipe de especialistas que acaba de ser formada para estudar o caso.
“Se o médico não operar, meu coração é tristeza. Se o médico operar, meu coração é sorriso”, diz Naru.
A tribo Zuruahã vive há cem anos perto do Rio Purus, na Amazônia. São pouco mais de 130 índios e estão numa reserva pouco maior do que a região metropolitana de São Paulo.
Zuruahã era o nome de um índio que vagava sozinho nesta região e era conhecido dos brancos. Até o primeiro contato, há 20 anos, a tribo não tinha nome. Quando a equipe de antropólogos perguntou que tribo era aquela, um dos índios respondeu, “Zuruahã” em homenagem àquele índio solitário.
Os Zuruahã cultuam a natureza. Para eles, tudo tem espírito, a essência de vida; desde uma pequena pedra, até as árvores frutíferas. Só o pajé consegue ver esses espíritos.
Esta tribo é remanescente de um massacre promovido por seringueiros no início do século passado. Os guerreiros e os chefes espirituais morreram.
Programa exibido em 18.09.2005