Ontem, dia 25/09, assisti a reportagem do Fantástico sobre a ação dos missionários da Jocum trazerem índios zuruahá para tratamento médico em SP: uma mistureba de sensacionalismo e passionalidade.
Nada muito diferente do que eles fazem sempre. É sina de jornalismo televisivo: imagens, imagens, falas editadas e conteúdo pífio. Toda notícia na tv tem a profundidade de uma montanha. Não havia assistido no domingo, mas segundo me disseram, a reportagem fora bem positiva ao trabalho realizado pelos missionários, mas ontem voltou ao “normal”.
l. Como já disse, jornalismo televisivo prima pelo simplismo, ainda mais quando se trata de jornalismo fantástico! Noticia uma tragédia onde morrem dezenas e, em seguida, mostra a nova moda brega. No mesmo pacote, ambas têm uma só objetivação: entretenimento.
2. Sobre a “noticia” em específico da ação dos missionários da Jocum, vejamos: l. uma frase isolada da Braulia; 2. uma frase isolada de um texto do site; 3. uma frase isolada da Suzuki. E a conclusão fantástica: os missionários têm objetivação religiosa! Meu Deus, eu estou abismado com a genialidade deste jornalismo: os missionários têm motivação religiosa? Descobriram a roda! Então eu posso dizer que os jornalistas da Globo têm motivação jornalística? Não dava para fazer uma coisinha menos pior? Isso é uma mistura de burrice com preguiça de investigar.
3. Nenhum aprofundamento da questão antropológica e da saúde púbica. Por que a Funasa não tem atendido? Falta remédio? Falta dinheiro? Falta pessoal? Nenhuma critica a (falta de) ação governamental. Qual a solução da Funai e do procurador? Retirar os missionários do campo. Ótimo! Os índios matam os recém nascidos com deficiência e depois se suicidam – e a Funai continua desempenhando seu papel. Qual?
4. A fala do antropólogo é uma pérola. Como a Funai não dá a devida atenção os missionários fazem barganha religiosa com a saúde. 1. admite que a Funai não cumpre sua função; 2. admite que os missionários cuidam da saúde. Ao ensejo, qual é o papel do antropólogo nesta história, além de fazer “análise” para a tv? Se os antropólogos são os únicos que têm total acesso a estes povos, inclusive usando dinheiro público, porque eles não minoraram estas condições? A ação antropológica, pelo visto, se restringe, a ajudar preservar o isolamento do grupo para o benefício da integridade étnica cultural, conquanto, os zuruahá continuem cometendo suicídios e infanticídios rituais. Não é sem motivos que, no meio acadêmico, antropólogo é conhecido como “legalizador de taras”. Pois, na medida em que estas práticas rituais sejam “destruídas” pelos missionários, coitados dos antropólogos, perderão um amplo campo de pesquisa. Por amor à ciência, eles bem que poderiam realizar uma pesquisa participativa. Para a tv seria uma reportagem fantástica!
5. Qual é, enfim, o grande “mal” da ação missionária? Ter tirado os índios da aldeia para trazê-los para tratamento médico na cidade. De fato estes missionários merecem uma ação justa da procuradoria federal, uma reprimenda da Funasa, uma expulsão da Funai e toda uma condenação científica. Salvar vida de índios é um crime. Selvagens isolados em seus costumes primitivos, ao serem trazidos para nosso meio, vão usufruir do nosso sistema de saúde; vão conhecer os benefícios de nossa civilização e não vão querer mais voltar ao seu primitivismo! Índio bom é índio morto, suicida, primitivo, selvagem em seu estado natural o mais longe possível. Afinal eles estão assim há quinhentos anos, e mesmo com ajuda do Governo e da ciência não conseguimos matá-los em definitivo. Mas se os deixarmos assim só mais um pouquinho de tempo não será necessário lembrarmos deles. Para manter isso como estar, já temos a Funai executando seu papel tutelador. Portanto, a Procuradoria precisa agir rápido, senão os missionários salvam os índios das doenças, dos suicídios e dos infanticídios, e os antropólogos não poderão salivar diante das taras e fazer suas teses acadêmicas. E o Fantástico ficará cada vez menos fantástico!”
Gedeon Freire de Alencar, diretor pedagógico do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos.